A refeição
Ele sorriu e tranquilamente perguntou quanto tempo faltava para o almoço. Gostava de comer sozinho, no canto da mesa, encostado ao fogão. A resposta surgia prontamente: quando quiseres, está pronto.
Admirava aquele entendimento, também repleto de ralhetes, sinais de amor, numa época e geração em que mostrar carinho nem sempre foi decisão unânime.
Aquele casal sempre me acompanhou, partilhou décadas de almoços previstos e imprevistos, lutas, cansaços, alegrias e vitórias. A existência de descendência numerosa assegurou a afirmação de um património genético.
Quando foi necessário dizer adeus, o cheiro a café, o tom alegre (mais ou menos esganiçado) inscreveram-se definitivamente na memória dos afectos. Tal como todo o cerimonial, passível de ser teatralizado pelos inúmeros movimentos apressados entre o fogão e a mesa, as tampas retiradas que permitiam o eclodir de ruídos e cheiros agradáveis. Aquele local tinha a magia de um encantamento. Por isso não era estranho ver surgir, milagrosamente, o prato cheio de alimentos apetecíveis, feitos por mãos cuidadosas que dispunham o comer tornando a fumegante refeição num momento especial.
Afinal... aquele casal é uma parte de mim...
A. (porque me disseram que nunca assino os meus textos)