quarta-feira, novembro 30, 2005 

Hoje

...é um bom dia para escrever o fim de Fora das Mãos.
Um grande abraço.
Anabela Gonçalves

terça-feira, novembro 29, 2005 

Onde os poetas estão... sempre



















... muda a cidade fica a arte.

 

Quero lá voltar


É... desarmante


fogo que arde sem se ver

(Camões)

 

Existem




















mãos no dicionário!

 

Luz que fusque

Vale tudo
janela aberta
estrada chuvosa
rua cheirosa

foto
casca-de-árvore
casa
sem chave

cara molhada
palma suada
riso sem razão
dedo carvão
sim e não!


Ouve um som
avec e com

Diz
asneira
banheira
bebedeira
pasmaceira

segunda-feira, novembro 28, 2005 

Porque existe II



É contou a mãe, é uma, duas e três vezes mágico. É a história de um sapo andarilho que aparece na caixa do correio... mistério, como era possível?
E a história continuou, o sapo é verde, existe mesmo, é giro, sabe coachar, lê o jornal e conta as notícias aos amigos que têm a vista cansada, ou que ainda não sabem decifrar aquelas complicadas frases e imagens, destinadas a informar, ou como diria o pequena tartaruga que vivia num grande aquário, destinadas a deformar... quando nos sentamos em cima do jornal...
Maria começou a ficar curiosa, a curiosidade saía-lhe pelos poros, estava no agitar de mãos, no brilho dos olhos, na ponta dos pés, tomados de uma vida própria, agitados e com manifestações de comichão. Ó Anita, é mesmo um mistério, ele vivia na caixa do correio?
Sim.
...O sapo tinha-se apropriado da caixa, quase sempre vazia. Ora vejam lá, o animal entrou, um dia à noite, de forma decidida e instalou-se. Saía, de vez em quando, para procurar insectos. Mas regressava sempre. Quando chegava alguma carta, colocava-se bem no fundo da caixa, colado às suas paredes e mantinha-se em silêncio. Quando o carteiro partia, e, antes que alguém viesse em busca de notícias frescas, o sapo lia todos os nomes, via os selos e sentia o toque do papel. Depois, à noite, o sapo, já detentor de mil histórias que intuía conversava com os outros animais habitantes da casa, a galinha Vermelha e o pássaro Tonto Mil Asas.
E quem vivia nessa casa Anita? Nessa casa vivia uma menina, a Ana, dona de uma ruiva cabeleira e de uns olhos sonhadores. Era a Ana Casinhas. Maria ficou pensativa e perguntou, Casinhas, porquê? Isso é nome ou é uma casa de brincar?
É nome sim, acrescentou prontamente a mãe, a Ana desta história não vivia numa casa, vivia em várias casinhas, por isso lhe chamavam Casinhas.
Assim são as histórias, disse a Ana, o sapo da caixa do correio também ganhou nome, era o Sapo da Caixa do Correio. Mas o que fazia ele, insistiu Maria. Era um jogo? Não, retorquiu baixinho Ana. Era verdade. Ele gostava da caixa, pois esta era húmida, tinha musgo no interior e era um bom refúgio.
Humm, Maria fechou os olhos, ficou pensativa e disse: é como o meu quarto. O meu quarto é quente, tem bonecos, tem livros, tem música, tem-te a ti, tem o pai. O sapo vive sozinho?
Pois, Ana acrescentou apressadamente, tu até podes ter razão, mas para o sapo a humidade é boa, o musgo é uma delícia, como, como... As palavras de repente faltaram-lhe. Maria sussurrou, como o bolo de bolacha da avó? Maria já nem ouviu a resposta afirmativa da mãe, o sono chegou e a menina adormeceu. Ana deu a história como acabada.
Pé ante pé, devagarinho Ana saiu do quarto e sorriu, diacho da miúda, estava a crescer, já contava histórias. Fechou a porta do quarto da menina e entrou no quarto do lado. Antes de adormecer quase juraria ter ouvido um coachar, mas isso era seguramente imaginação sua, desde quando existem sapos na caixa do correio?
Lá fora um sapo muito grande, com pintas de cor indefinida nas pernas coaxava mesmo, contava a história da Ana do Sapo aos outros bichos...

 

Porque existe I

Ana entrou no quarto, depois de ter apagado a luz da cozinha e da sala. Fazia frio, por isso vestiu um casaco, cujas mangas demasiado longas pendiam, até ao momento em que as dobrou, com ar decidido, e, finalmente suspirou de alívio. Nos últimos dez minutos, enquanto reunia as tintas que utilizara para pintar a porta do frigorifico ouvira uma série de sons estranhos provenientes do primeiro andar, os ruídos pareciam sair do quarto da Maria, a menina franzina, de olhos matreiros, tão escuros quanto os seus cabelos longos e encaracolados.
A criança nascera sem ser programada, fora, sim, muito desejada. Ana passava mais tempo com Maria do que Pedro, o pai de Maria, mas procuravam compensar esse facto realizando actividades extra, habitualmente durante o fim-de-semana. A hiper-actividade de Ana fazia com que realizasse mil tarefas, umas inesperadas, outras há muito adiadas, mesmo quando não podia... ocupava-se de mil pequenas coisas, geralmente quando Pedro não estava, quando Maria se embrenhava em actividades que a mantinham ocupada e feliz. Por isso hoje aproveitara para pintar aquela porta, cujas cores se tinham alterado. Feliz com o desaparecimento das manchas de ferrugem do frigorifico mas um pouco inquieta com o que estaria a acontecer no piso superior, Ana, com gestos felinos, subiu rapidamente os degraus da escada, sem sequer pousar as mãos no corrimão em ferro forjado.
Pé ante pé entrou no quarto, onde uma semi-penumbra mostrava a janela entreaberta, a cama desfeita, dois livros abertos, uma tesoura, um tubo de cola e a guitarra, colocada numa posição que fazia lembrar um equilibrista caído. Com um sorriso semi-aprovador, embora um leve franzir de sobrancelhas fosse visível na sua cara, Ana passou a mão esquerda nos seus próprios cabelos revoltos, de cor ruiva, pensando que ela era um pouco assim, o que nem sempre era bom, perdia constantemente objectos, esquecia-se pronto.
Maria devia ter travado uma batalha campal no seu quarto, seria impossível dizer onde estaria a sua fita do cabelo! Aquele quartel-general, nome que se adequava ao quarto de Maria estava de pernas para o ar. Ana acercou-se da escrivaninha onde a rapariguita estava. Maria parecia sonhar, porque os grandes olhos estavam imóveis, em longínquas viagens, no local para onde voam as imaginações dos sonhadores, certamente fora do quarto, onde a desarrumação ainda fazia sorrir.
Maria sentiu a presença de Ana, mais do que ouviu, virou-se para esta e a sua voz ecoou no silêncio, súbito companheiro daquele momento de partilha, Maria perguntou surpreendendo sua mãe: Aninhas, tenho um trabalho difícil, de que forma se diz gosto de ti? Ana sorriu pelo carinho do tratamento, surpreendida pela pergunta inesperada. Pois, retorquiu Ana corando, após um momento de hesitação. É para Língua Portuguesa? Que pergunta estranha, pois... ora...diz-se com muitos adjectivos, muitas, muitas, muitas vezes. De forma grande, pequena, com beijos, lágrimas risos suor, ranho e muitas gargalhadas, diz-se imensamente!
Imensamente, o que é isso? É um advérbio, acrescentou rapidamente Ana. Serve para fazer poemas, retorquiu Maria? É porque o meu professor disse que os poemas são bonitos.
Pois... respondeu Ana, levemente irritada com aquele professor de português muito falador. Maria sorriu com segurança e disse saber o que era um poeta, era uma pessoa que fazia uma sopa de letras. Sabia porque a sua amiga Teresa lhe tinha contado, em segredo, baixinho, com um ar muito misterioso e entendedor, no outro dia, quando foram almoçar na cantina da escola. Ana sorriu e finalmente compreendeu porque tinha Maria afirmado, no outro dia, ter comido poetas na escola, foi no mesmo dia em que Maria ficou muito zangada com seu pai, pois este não a tinha levado a sério, respondera com ar sério, filha, os poetas não se comem, dizem-se. É assim a troca de palavras, os segredos, por vezes, não se compreendem totalmente, desvendam-se aos poucos, ou então calam-se, perante o medo de não poderem ser inteiramente partilhados.
Maria coçou uma orelha, vestiu o pijama. A caminho da casa de banho pediu: Con-tamu-ma... a frase ficou a meio, interrompida pelos gargarejos feitos ao lavar os dentes e pela água a cair para o lavatório. O resto da frase foi quase gritado, quando a menina se dirigiu de novo para o quarto: história. Com ar decidido Maria suspirou e enroscou-se no seu cobertor favorito, único companheiro sobrevivente de batalhas, quer físicas, quer verbais, cujo desenlace terminava num eu só quero aquele, o amarelo, com gatinhos!
Ana aproximou-se da estante que estava perto da janela e pegou num livro, mas Maria fez um ar de enfado, não Anita, conta-me uma das tuas, das verdadeiras.
Bem, esta é verdadeira, uma vez que existe. O que tens na mão? Maria apontava para os vestígios de uma mancha de tinta azul, mesmo na palma da mão da mãe, Ana riu alto e disse: é tinta, mas não faz mal. Bem, agora preciso de silêncio. Vais contar um segredo? Não sei, acrescentou rapidamente Ana. Coçou a cabeça e disse: já sei, vou contar-te o segredo antigo, um que me acompanha há já muito, muito, muito tempo, por isso é tão grande e especial, cresceu imenso.
No quarto apenas se ouvia o barulho do vento. Com um grande gesto Ana disse baixinho algumas palavras, aproximou-se de Maria e sussurrou algo de misterioso ao ouvido da miúda. Maria riu-se, bateu palmas e disse, conta mais...é mágico?

(continua)

 

in Vento

Ouço o vaguear
das lentes no
esverdeado musgo
Trago, de um só
o corpo
numa parede
sedenta.

Bola de fogo,
desenha-me pirâmide,
com espiral e lume.

Cresço dobrado para ouvir
as conversas
que navegam na esquina da rua de cima.
O som das folhas faz-me bem.

sábado, novembro 26, 2005 

Palavra-semente


Como semente a palavra nem sempre frutifica, até porque nem todas estão à mão de semear.

Mas há palavras que se associam e ficam guardadas na nossa memória.
Assim é com: todos os dias tocamos em flores, frase do poeta Sebastião da Gama (o seu Diário ofereci-o, é um livro feito para ser dado). No entanto, a frase, lembra-me sempre como são necessárias flores na vida...

Vou rever daqui a pouco Une partie de Campagne, filme de Jean Renoir, há muito guardado na minha memória. Lembro-me do som, do baloiço que distrai, da passagem de jovens, de raparigas, que atraem o olhar de um noviço... e que olhar!
Lembro especialmente um grande plano de um beijo, estávamos em 1936(?), mesmo em França era ousadia mostrar -em grande plano- um beijo entre dois amantes... isto sem quebrar o secretismo do momento. Jean Renoir, com a sua mestria, enquadra(-nos) perfeitamente o beijo na vegetação, com o rio perto e com a possibilidade dos amantes de um dia... serem descobertos.

A frase do poeta e as imagens do cineasta são asas para a alma, passageira sem veículo.
Ambos me lembram que algures existem almas-agricultor, porque os Seres podem ser transportados até a um Tempo marcado pelo ritmo de sementeiras, de mãos que desbastam, tratam, semeiam, regam e esperam.
O que semeiam? Talvez imagens, palavras, sementes...
Às vezes é preciso um compasso de espera, quanto mais não seja para deixar pousar imagens familiares, juntamente com novas descobertas.
No afunilamento dos dias o Tempo corre. A magia da partilha e da comunicação acontece, materializa-se nos sons, no silêncio... em tudo o que temos capacidade de sentir.
E sim, há que dizê-lo: acredito também na palavra enquanto semente. Gosto de pegar num ditado e perguntar alterando-o: há semente pior de pegar do que a da língua?

sexta-feira, novembro 25, 2005 

Nuvens


Olho para nuvens e sinto o sol a passar...
no cimo da colina da minha praia
saboreio um céu em catedral.
Vivo nesse recanto,
onde se confundem sons de passos, luz e calor.
O coração das pernas pede-me para deixar
o pensamento juntar-se ao bater das asas...

 

Chá prensado




faz pensar...

 

Hoje é dia de conto...

eis o último que li:

“A camisa do homem feliz

Um rei tinha um filho único e queria-lhe tanto como à luz dos seus olhos. Mas este príncipe estava sempre infeliz. Passava dias inteiros à varanda, a olhar para longe.
─ O que te falta? ─ perguntava-lhe o rei ─ O que tens?
─ Não sei, meu pai, nem eu sei.
─ Estás apaixonado? Se queres uma rapariga qualquer diz-mo, e caso-te com ela, seja ela a filha do rei mais poderoso da terra ou a mais pobre das camponesas!
─ Não pai, não estou apaixonado.
E o rei a experimentar todas as maneiras de distraí-lo! Teatros, bailes, músicas, cantares; mas nada servia, e do rosto do príncipe de dia para dia desapareciam as cores rosadas.
O rei mandou publicar um édito, e de todas as partes do mundo veio a gente mais instruída: filósofos, doutores e professores. Mostrou-lhes o príncipe e pediu conselho. Eles retiraram-se para pensar, depois voltaram ao rei.
─ Majestade, pensámos, e lemos as estrelas; eis o que deveis fazer.
Procurai um homem que seja feliz, mas feliz em tudo e por tudo, e trocai a camisa do vosso filho pela dele. (...)

O rei encontra um homem feliz...

(...) “ Finalmente um homem feliz!”, pensou o rei.
─ Jovem, ouve: tens de fazer-me um favor.
─ Se puder, de todo o coração, Majestade.
─ Espera um momento. ─ E o rei, que não cabia em si de contente, corre para junto do seu séquito: ─ Vinde! Vinde! O meu filho está salvo! O meu filho está salvo! ─ diz. E leva-os até àquele jovem. ─ Bendito jovem ─ diz ─, dar-te-ei tudo o que quiseres! Mas dá-me, dá-me...
─ O quê, Majestade?
─ O meu filho está a morrer! Só tu podes salvá-lo. Anda cá, espera!
─ E agarra-o, começa a desabotoar-lhe o casaco. De repente pára, e deixa cair os braços.
O homem feliz não tinha camisa.”

(as letras a verde são minhas)

Fábulas e Contos, Ítalo Calvino, Volume I, tradução de José Colaço Barreiros, Editorial Teorema, Agosto de 2000, pag.184 a 185.

quarta-feira, novembro 23, 2005 

Andam a semear...




















...códigos nos canteiros...

 

Olá...
















Voltei!


Nos últimos dias passei por um apagão, não, não foi nenhuma cegonha que me tirou a electricidade. Andei nas compras. Precisava de renovar o visual do blogue, para que este possa crescer fora de mim.
Conversei com a minha tia, que tem mãos de ouro, carregou-me ao colo em pequena, arrastando-me sempre com muita ternura. A imagem mostra o que ela achou por bem agasalhar-me. Ela tem muito bom gosto e sabe que, neste momento, necessito de cores.
Voltando ao assunto principal, confesso: sempre pensei que faria um blog a várias mãos, nunca sozinha. Mas por vezes acontece fazermos algo de inesperado. Esperei, esperei e acabei por me lançar ao mar da neet.
Conto com a presença preciosa de quem acede ao blog . E os meus afectos estão sempre perto.

Obrigada meu amigo, dr. Bunsen, por estares pacientemente atento, quando eu interfiro com computadores (nunca percebo como). Gosto da tua sensibilidade de artista, mas gosto mais de ti.
P.S.: a minha gata gostou da textura!

sexta-feira, novembro 18, 2005 


















Voo

fora das mãos... e dentro,
estão palavras.
Dois dedos de imaginação sem medo
espreitam-se na esquina das conversas.

Num assentar de acentos
rápidos e lentos
as imagens coloridas
são vidas.

Doem-me mãos.
Mas fora,
ontem e agora.

Uso singular
de plural,
para respirar
atabalhoadamente

e ouvir chover o tempo.

Vejo o mar e volto à linha do horizonte,
pois... por
onde andam as mãos?

quinta-feira, novembro 17, 2005 

Pés...

porque há dias em que troco os pés pelas mãos!

 

Pés...

Na estrada

o segredo dos molhos
tem a chuva
em fuga
dos teus olhos.
Tarde ou cedo
o medo,
no teu ouvido
é caril proibido.
Desfocada
a foto,
estirada
que anoto,
é fruta
num caminho
de luta.

Porque
da máquina
caiu
semente

quarta-feira, novembro 16, 2005 

Pois é...


É verdade, caso tenham dúvidas, as minhas mãos são pequenas!

Quanto à minha letra (deveria dizer caligrafia?) tem recebido ao longo dos anos adjectivos diversos... por norma estes oscilam entre formiga ou gatafunho.
Sempre achei que guardar uma letra de escola primária não tinha mal, encontrei outros modelos, mas não se adaptam tão facilmente a canetas de aparo, faço o reparo.
Para escrever francamente é-me secundário causar tamanha falta de indiferença, embora me esforce para comunicar de forma perceptível.
Eu sei... certinha também não é, certamente, esta foto...
...foi com sombras a projectarem-se para a folha tornada semi-branca, graças aos resíduos de flash, com luz a mais, que nasceu a foto. Não porque tivesse sido tirada com uma mão no ar, por ter pousado uma folha de papel em branco em cima do scanner, que por sua vez está na ponta da mesa coberta de livros e papéis, claro está desarrumados. A outra mão tentava escrever e segurava uma das minhas canetas de aparo, uma azulada, que me foi dada por uma pessoa muito amada.
Cultivo há muito o hábito de escrever em locais periclitantes. Sinto-me com o pensamento mais livre.
E fica bem claro, para quem chega perto, verificar a acumulação de papéis. Tal deve-se sempre à forma intensa com que penso, sei que todos acreditam nisso...
Até porque nas horas de calma reflexão, perante a palavra arrumação digo sempre: amanhã.
Até amanhã.
Beijos.